segunda-feira, 27 de junho de 2011

AAVV


Um sinal óbvio de que a época tola chegou é o facto de já ter sido desafiado por três vezes - e sempre por pessoal do 5 Dias - para responder a esta espécie de inquérito aos hábitos literários. O Miguel e outros unipoppers, aliás, também não escaparam ao desafio.

1. Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
Assim de repente, nem por isso. Quer dizer, por vontade própria e "várias vezes" não. Mas há livros em que já peguei mais do que uma vez, geralmente com alguns anos pelo meio, por puro prazer, curiosidade e interesse. Sinceramente, e não sei se pela minha tenra idade (pausa para as gargalhadas), não estou bem a ver o interesse de ler um livro mais do que três vezes numa vida inteira. A não ser, naturalmente, para quem tem problemas de memória.
 É provável que os únicos livros que li e releria várias vezes sejam todos de BD. Li várias vezes o volume Toda a Mafalda, mas já não lhe pego há uns bons anos. Como o Youri, regresso várias vezes ao Astérix, mas cada vez menos. Descobri tardiamente o Corto Maltese, o que talvez explique a razão pela qual continue a encontrar-lhe bastante interesse. Mas sinceramente, e quanto mais penso nisso, não li nenhum destes livros ou colecções mais do que três vezes.
Tenho voltado várias vezes a Operários e capital, de Mário Tronti. Mas é um livro que se "estuda" mais do que se "lê". Tal como a Sociedade do Espectáculo, de Guy Debord.
Tudo isto  para regressar à formulação inicial. Assim de repente, nem por isso.

2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Sim, claro. O Anti-Édipo, de Deleuze e Guattari, é um óbvio. Não percebo nada daquilo. Suponho que isso  faça de mim um esquizofrénico iletrado, mas é o que há. 
A Montanha mágica, de Thomas Mann, é outro que tal. Costumo ficar pela página 123. É o momento em que o autor partilha com o leitor a ementa do almoço e eu perco automaticamente a paciência. Ao fim e ao cabo, o que me interessa o que comia Hans Castorp no sanatório de Davos? Para ilustrar o ponto, uma citação: 
O resto do Domingo não ofereceu nada de excepcional, a não ser as refeições que, embora não pudessem ser mais fartas do que de costume, se distinguiam pelo menos pelo requinte dos pratos. No menu do almoço figurava um chaud-froid de galinhas, guarnecido de caranguejos e meias cerejas; os gelados vieram acompanhados de bolos, em cestinhos feitos de fio de açúcar. E por fim, fatias de ananás fresco. À noite, depois de ter tomado a sua cerveja, Hans Castorp sentiu os membros ainda mais trémulos e pesados do que nos dias anteriores e às nove horas disse «Boa noite» ao primo, cobriu-se com o acolchoado de penas até ao queixo e adormeceu, como fulminado.


 3. Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
 Esta pergunta é manifestamente cretina e não lhe vou responder. Mas passa pela cabeça de alguém ler um livro "o resto da sua vida"? O que é que isso quer sequer dizer? Uma página por dia? Ou estamos apenas perante a repetição enfática da primeira pergunta do inquérito? Um pouco de seriedade nestas fúteis brincadeiras estivais é o mínimo que se pede.

4 – Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
Este que o Pedro Vieira escreveu sobre a estação de caminhos de ferro de Massamá tem ar de ter imensa pinta. Ainda não li porque tenho estado demasiado ocupado e a obra de Pedro Vieira merece-me o máximo respeito, pelo que conto iniciar assim que recomeçar a época futebolística que, espero eu, consagrará o Benfica como a melhor equipa do universo ou, até, de Portugal.

5- Que livro leste cuja ‘cena final’ jamais conseguiste esquecer?
 Gostei muito da cena final dos 10 dias que abalaram o mundo, de John Reed. Uma pessoa até fica com a ideia de que aquilo acaba tudo em bem. Naturalmente que não me lembrava das palavras exactas, mas como estava mesmo aqui atrás na estante aproveitei para ir ver e a última frase diz precisamente isto:
As assembleias reunidas do Tsik e do Congresso Camponês Pan-Russo expressam a sua firme convicção de que a união dos operários, soldados e camponeses, a união fraternal de todos os trabalhadores e de todos os explorados, consolidará o poder conquistado e saberá tomar todas as medidas revolucionárias convenientes para apressar o trânsito do poder para as mãos dos trabalhadores dos outros países, assegurando deste modo uma vitória perdurável à causa da paz justa e do socialismo.
Também não me sai da cabeça o final do livro de Ida Mett, Cronstadt - o último soviet livre, mas é suficientemente gráfico para dispensar a citação. Para resumir, é uma espécie de "olhe que não olhe que não" dirigido ao John Reed e respectivos leitores.
Assim de repente, o final do romance Queremos tudo, de Nanni Ballestrini, é uma descrição dos confrontos entre os operários da FIAT e a polícia de choque em Corso Traiano, algures no Verão de 1969, que também me ficou na cabeça e não me importaria de citar textualmente. Mas lamentavelmente acabo de constatar que emprestei o meu exemplar (de uma edição esgotada...) a alguém que ainda não mo devolveu.
Fica o aviso: quem leva livros meus emprestados e não mos devolve apanha uma doença de pele misteriosa e acaba coberto de borbulhas da cabeça aos pés. Só eu conheço o antídoto, que partilharei mediante devolução da obra em causa (este inquérito talvez acabe por ter alguma utilidade).

6- Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
Si. Recordo as intermináveis manhãs de Sábado e Domingo, quando o meu avô me enviava ao quiosque com a gloriosa e difícil missão de lhe trazer A Bola e o Record. De resto lia sobretudo banda desenhada e os clássicos para a pequenada. Não me restam grandes dúvidas de que a Isabel Alçada fez mais pela minha educação do que pela do meu irmão mais novo, que está a acabar o ensino secundário.

7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê? 
O amor de perdição, Viagens na minha Terra e A Sibila. Eram obrigatórios para quem queria fazer o exame de Português do 12º ano, mas sempre me pareceram intragáveis. Aliás, a palavra que me ocorre nem sequer é chato. Aquilo é mesmo desinteressante. O que é que me poderia interessar o amor impossível de Simão e Teresa, as desventuras da Joaninha ou a vida rural do Minho profundo, no meu quotidiano adolescente passado nas ruas de Oeiras e Paço de Arcos?

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.
Da miséria nos ambientes subversivos, Appel, A insurreição que vem, todos publicados pelas Edições Antipáticas.
Orientalismo, de Edward Said. Trainspotting, de Irvine Welsh. Movemo-nos na noite sem saída e somos devorados pelo fogo e o  Panegírico, de Guy Debord.  O estranho caso do nacionalismo português, de Luís Trindade. O livro de poemas de Brecht, editado e traduzido por Arnaldo Saraiva. Histoire et conscience de classe, de Gyorgÿ Lukács. A esperança, de André Malraux. O povo em armas, biografia de Durruti escrita por Abel Paz.
Gostei bastante, recentemente, de As Benevolentes, de Jonathan Littel. E estava a gostar bastante de Uma conjura de saltimbancos, de Cossery, até me ter esquecido dele em casa de uns amigos na noite das eleições. 

 9. Que livro estás a ler neste momento?
 Up against the wall motherfuckers! (autores vários, Edições Antipáticas), A pena de Marte (Rui Bebiano), The gangs of New York (Herbert Asbury).

10. Indica dez amigos para responderem a isto.
Epá que chatice... Pode ser o resto do pessoal do blog, com excepção do Miguel, que já respondeu, mas incluindo o Frederico Ágoas, o Manel Deniz e o Luís Trindade, que também fazem parte desta cloaca apesar de ainda não se terem acusado. Vá unipoppers de todo o mundo, como diria o outro, crescei e multiplicai-vos. 


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