quarta-feira, 8 de junho de 2011

Soltam-se os parafusos da máquina

  Como se irá tornando dolorosamente óbvio, “os outros” dizem quase sempre coisas mais interessantes do que eu. Felizmente, entre os que andam por aí a comer sandes de panado, a tirar bolinhas de cotão do umbigo e a pagar IRS e aqueles que já deram o triste pio, há muitos. Pelo que a maior parte dos dias o melhor mesmo é passar-lhes a palavra. Neste caso, escreve o António Guerreiro, no “Ao pé da letra” (no Expresso, of all places) do último Sábado, glosando o famoso "nãããã" do Bartleby de Melville.
"o impasse do presente, a que corres­ponde o fechamento da esfera da repre­sentação política, determina uma atitu­de que poderia ser assim definida: é contra o voto que se continua a votar. Nos movimentos dos jovens e dos 'pre­cários', dificilmente encontramos uma linguagem que aponte para uma nova ordem. E é preciso perceber que os limites da acção política são os limites da linguagem. Desde logo, o termo 'precá­rio' significa uma definição em relação à esfera do trabalho, uma reverência à ordem do mundo que chegou ao fim, mas a cuja salvação se entrega hoje um exército de alcance universal. Como o homeostato de Ashby, essa máquina que funciona apenas para se alimentar a si própria, assim é o sistema parado­xal de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, de uma multidão de supranumerários que representa um perigo enorme: o de sabotar a máquina, deslumbrada com o seu próprio meca­nismo. Na mobilização geral pelo traba­lho, reforça-se uma evidência que seria, pelo contrário, necessário abolir: a de que não há outra maneira de existir senão trabalhando. De tal modo que trabalhar, hoje, corresponde menos a uma necessidade económica de produ­zir mercadorias do que a uma necessi­dade política de produzir produtores e consumidores. A produção tornou-se sem objeto. A figura de Bartleby, o escrivão de Melville que respondia às ordens para trabalhar com a fórmula "I would prefer not to", poderia servir de inspiração para desativar o sistema laborioso que suscita tanta mobilização: dos que o defendem para que nada se passe e dos que o atacam por ele se ter tornado tão exclusivo. E se, em vez da mobilização total com a qual se glorifi­ca o trabalhador, que foi uma figura tanto do fascismo como do comunismo, o novo exército de não-trabalhadores recusasse assumir-se como multidão de desempregados e em vez de reivindicar o impossível gritasse em todas as pra­ças "I would prefer not to"?"
(PS: Fui roubar isto aqui). E agora vou mas é trabalhar.

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