sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O capitão Falcão


Há uma espécie de ave rara que se apresenta, neste momento de crise pronunciada, em notória expansão. A sua origem parece estar em lugares tão díspares como as redacções de certos jornais especializados em necrologia, certas empresas de comunicação ("empresarial" e "institucional"), para além da ocasional caverna troglodita. O assunto tem sido motivo de conversa ao mais alto nível e, entre um prato de caracóis e outro, a conclusão é sempre a mesma: há cada vez mais Capitães Falcão a escrever nos jornais.
O actual director do I leva alguma vantagem no concurso levado a cabo, semanalmente, com o nobre intuito de eleger o mais boçal dos reaccionários. Note-se que, apesar da regularidade das suas prestações e de alguns momentos empolgantes, a sua posição nunca está assegurada, como o demonstra o triste ocaso de Alberto Gonçalves, que durante muito tempo envergou orgulhosamente a camisola amarela. Nem a sua inquestionável alarvidade, nem o facto de a mesma se derramar simultaneamente pelas páginas do Diário de Notícias e pelos vídeos da Sábado (são poucos os leitores com estômago para tão brilhante prosa),  foi capaz de o manter sentado num trono pelo qual batalhou tão arduamente. 
António Ribeiro Ferreira não está em condições de se distrair, pois logo correria o risco de perder o lugar para outros elementos que se costumam destacar do pelotão. Helena Matos, desde logo, compensa bem a falta de ideias com o seu empenho. Henrique Raposo está permanentemente à espreita. E até Fernanda Câncio vem dando um pezinho de dança ao som da mesma música.
A distância que António Ribeiro Ferreira conseguiu assegurar - desde o seu tempo no Correio da Manhã - é em todo o caso minimamente confortável. Por exemplo, poucos conseguiriam ser tão notoriamente canídeos como ele relativamente a um governante e aos interesses que este se empenha em satisfazer: 
O tal serviço universal de saúde tendencialmente gratuito, que tanto adoram, ao ponto de morrerem por esta singela linha na Constituição, está longe de ser a tal sétima maravilha. E se está bem cotado a nível mundial, o que é uma verdade, também deve essa qualidade ao sector privado. Sim, mais de 42% dos serviços prestados pelo SNS são, afinal, da responsabilidade do sector privado. É por isso que Paulo Macedo, um renegado herege para a esquerda demagógica e as suas almas sofridas, diz sempre que é ministro, não do SNS, mas sim do sistema de saúde. Vá lá. Atirem-se ao rio, gritem por um novo 25 de Abril na saúde, façam o que quiserem, mas habituem-se. A desbunda no SNS está a acabar.
Da mesma maneira, até os que ocupam posições destacadas neste panteão ignóbil hesitariam em assinar uma prosa tão abertamente nostálgica do tempo da outra senhora como a que deu à praia esta semana:
Não há festa nem dança em que não apareçam os sindicatos e os sindicalistas a debitar opiniões, a meter o nariz onde não são chamados. Não há dia em que não apareça alguém a questionar as políticas de saúde, educação, segurança interna, defesa nacional, obras públicas e transportes.Há uns anos, muitos, Maldonado Gonelha disse que era preciso partir a espinha aos sindicatos. Na altura discutia-se a unicidade sindical e a criação de uma central alternativa à Intersindical comunista. Hoje, em 2011, com o país numa emergência nacional é urgente não só repetir a frase como pô-la em prática. Ainda por cima quando a irresponsabilidade sindical é patente em todos os domínios e os senhores teimam em não perceber que também ajudaram, e muito, a empurrar o país para a bancarrota.
Deverá haver alguma lógica em tudo isto, uma vez que o plano inclinado em que o espaço público mergulhou em data incerta tudo permite e autoriza. Nenhuma destas ideias (?), argumentos (?) ou posições é propriamente nova ou original. É apenas o lugar de destaque que lhes foi atribuído e o metódico empenho em fazê-las passar por algo de razoável (o que exige nada menos do que a remoção ou drástica redução de tudo o que possa contrastar com elas e, por essa via, sugerir a sua inanidade) que surge como  novidade.
Nunca faltaram fascistas com vontade de "partir a espinha aos sindicatos", nem ridículos fantoches que para isso apresentassem o previsível argumento patrioteiro (são sempre os sindicalistas "a empurrar o país para a bancarrota"). É o facto de uns e outros se lançarem a isso como fosse a mais simples e fácil das tarefas que verdadeiramente desconcerta, pois não só aquela espinha se apresenta muito mais sólida do que eles julgam como ainda, o que não é pouca coisa, se arriscam a encontrar pela frente algo muito mais ameaçador se por alguma imponderável razão o vierem a conseguir. Esquecem-se (e como poderia ser de outra forma?) que foram os conflitos sociais a dar forma aos sindicatos e não o contrário. Oxalá o venham a compreender rapidamente.

1 comentário:

  1. Caro Ricardo,

    Para que o seu retrato do actual director do I fique completo, convirá acrescentar que esse senhor, que então era conhecido pelo nome de António Pinto Basto, foi, nos idos de 74 e 75, um militante radical do MES que, segundo li algures, chegou a negociar com militares esquerdistas a transferência de armas para o seu partido no período do «Verão quente». Temos, portanto, um proto-fascista com um passado "interessante"...

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