domingo, 11 de março de 2012

«Brothers, sisters, can’t you see? The future’s owned by you and me»

É oficial, Jarvis Cocker tem livro. Intitulado «Mother, Brother, Lover» (Faber and Faber, 2011), o livro reúne as letras que o vocalista dos Pulp escreveu entre 1983 e 2009. Nelas identificamos a faceirice, a flama e o fulgor que caracterizam os grandes escritores de canções. Mas panteões não são os melhores lugares para arrumar aquele que pretende viver a sua vida como gente comum e escrever canções sobre os aspectos mais triviais da vida quotidiana. Imbuído do espírito de Henri Lefebvre, Jarvis sugere que o homem deve sê-lo na vida diária, por isso aconselha-nos a acasalar o «mudar o mundo» de Marx com o «mudar de vida» de Rimbaud, transformando esses dois princípios num só. Segundo as contas do Godard, que nunca foi bom a matemática, one plus one daria Rolling Stones.

Contrariamente à maioria dos escritores de canções, Jarvis tem algo a dizer. Owen Hatherley percebeu isso e resolveu editar o ensaio «Uncommon. An essay on Pulp» (Zero Books, 2011), que é um livro bem jeitoso, sobretudo porque encontra na obra dos Pulp a resposta para três problemas da vida diária. A saber: sexo, urbanismo e classe.

Sexo: Jarvis é um dos melhores criadores de personagens femininas do universo pop, superando claramente Bryan Ferry, que devia ser estudado nos seminários de Lacan, tal o número de fantasias que Ferry produziu sobre o segundo sexo. Confiram-se as suas letras sobre mulheres intocáveis, pins-ups embalsamadas e capas de disco dos Roxy Music que se assemelham a calendários de camionista, mas para gente aprumada. Neste compêndio de fantasias, as mulheres personificariam o «objet petit a», um objecto de desejo sempre inalcançável e inatingível, como se Bryan Ferry temesse que o seu ideal de beleza se desvanecesse caso se corporizasse, ver por exemplo a canção «Beauty Queen». Jarvis, por seu turno, manda os idealismos às urtigas, como comprovam os gemidos, uivos e suspiros que abundam nas suas canções. As quais optam por relatar os pormenores mais sórdidos e mundanos da vida comum, como a virgindade («do you remember the first time»), adultério («acrylic afternoons»), voyeurismo («i spy»), etc.

Urbanismo: os subúrbios de Sheffield como nunca antes os vimos e as vicissitudes de uma cidade pós-industrial, cheia blocos, torres, tédio, frustração e desemprego.

Classe: em meados da década de 1990 os Pulp lançaram o mote: «I’m common». Segundo Marx, o comum seria a «expressão positiva da abolição da propriedade privada» (para mais informações ver artigo de Michael Hardt, «O comum no comunismo», no número 1 da sensacional revista Imprópria). Os Pulp sempre pertenceram a uma «classe diferente», como comprova a canção «Mis-Shapes» que, além de ser a melhor canção de intervenção da história da pop, é um convite expresso para entrarmos na luta de classe contra classe, até à vitória final, viva a classe operária, abaixo o capital. Pondo em termos cockerianos: «they think the’ve got us beat but revenge is going to be so sweet».

Embora as aspirações à totalidade estejam patentes nas letras de Jarvis Cocker, ele autoavalia a sua obra de forma mais modesta. No prefácio de «Mother, Brother, Lover», Jarvis realiza o habitual exercício de falsa modéstia, dizendo que a pop não é ópera, e que o comum dos mortais está-se cagando, para citar o ex-presidente do benfas Vilavinho, para as letras das canções. Para nos alertar para a inutilidade das letras, Jarvis veste a farda de historiador, contando-nos a história do clássico rock, «Louie, Louie» que, segundo rezam as crónicas, foi objecto de investigação do FBI porque um ouvinte mais fantasioso terá ouvido o seguinte verso na canção: «i felt my boner in her hair». Após longa investigação, o FBI afirmou que não estava habilitado para interpretar o significado da letra, dado que ela era demasiado obscura. Jarvis retirou os seguintes ensinamentos deste episódio: se nem o FBI descobre sobre o que é que tu estás a cantar para quê escreveres canções? Por outro lado, se ninguém ouve as tuas letras, e se estas não interessam a ninguém, porque não escreveres sobre tudo o que te der na telha, documentando a história da tua vida, real e imaginária, com canções pop? Foi isso que Jarvis decidiu fazer. E decidiu bem, penso eu de que...




"Mis-Shapes"
Mis-shapes, mistakes, misfits.
Raised on a diet of broken biscuits, oh we don't look the same as you
We don't do the things you do, but we live around here too.
Oh really.
Mis-shapes, mistakes, misfits, we'd like to go to town but we can't risk it
Oh 'cause they just want to keep us out.
You could end up with a smash in the mouth just for standing out.
Oh really. Brothers, sisters, can't you see?
The future's owned by you and me.
There won't be fighting in the street.
They think they've got us beat, but revenge is going to be so sweet.
We're making a move, we're making it now, we're coming out of the side-lines.
Just put your hands up - it's a raid yeah:
We want your homes, we want your lives,
we want the things you won't allow us.
We won't use guns, we won't use bombs
We'll use the one thing we've got more of - that's our minds.
Check your lucky numbers, that much money could drag you under, oh.
What's the point of being rich if you can't think what to do with it?
'Cause you're so very thick.
Oh we weren't supposed to be, we learnt too much at school now
we can't help but see.
That the future that you've got mapped out is nothing much to shout about.
We're making a move, we're making it now,
We're coming out of the side-lines.
Just put your hands up - it's a raid.
We want your homes, we want your lives,
we want the things you won't allow us.
We won't use guns, we won't use bombs
We'll use the one thing we've got more of - that's our minds.
Brothers, sisters, can't you see?
The future's owned by you and me.
There won't be fighting in the street.
They think they've got us beat but revenge is going to be so sweet.
We're making a move. We're making it now.
We're coming out of the sidelines.
Just put your hands up - it's a raid.
We want your homes, we want your lives,
we want the things you won't allow us.
We won't use guns, we won't use bombs
We'll use the one thing we've got more of - that'sour minds.
And that's our minds. Yeah.

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